sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CONVERSAS DE FUTEBOL

Entrevista - Professor Rui Faria




(Ex-treinador adjunto do F. C. do Porto, do Chelsea F. C; do Internazionale de Milão e atualmente no Real Madrid)

Entrevista feita na época em que se encontrava no Chelsea FC

Carlos Campos: A repetição sistemática dos princípios assenta em três pilares fundamentais: o princípio da progressão complexa, o princípio da alternância horizontal em especificidade e o princípio das propensões. De acordo com a sua experiência concorda que este último é o mais complexo, o que exige melhor conhecimento do jogo, o que contribui de forma mais efectiva para o “jogar” específico que pretende?

Rui Faria: É fundamental perceber a relação que existe entre os três bem como a complexidade do exercício que se cria. No exercício vão aparecer determinados princípios e sub-princípios que queremos evidenciar porque são parte da nossa forma de jogar mas há que ter em conta que não podemos nem queremos isolar esses aspectos de outros que surgem por inerência. O importante é perceber a complexidade daquilo que se pede e enquadrar isso numa lógica de trabalho semanal que permita que a aquisição seja facilitada. Portanto, não podemos exigir a evidenciação de determinados princípios com grande complexidade quando os jogadores estão ainda em processo de recuperação mental e emocional, ou seja, é decisivo que a exigência do que queremos seja feita em função da relação que existe entre o desempenho e a recuperação. Não podemos pensar num desses três princípios sem pensar nos outros uma vez que o padrão de exigências tem que ser enquadrado na sua organização semanal no melhor momento para que haja sucesso na aquisição desse mesmo princípio.

P: Tomando sempre a acção como primordial naquilo que é a aquisição de hábitos que queremos implementar, que importância dá à identificação teórica com os princípios de jogo?

R: Penso que isso está intimamente relacionado com a complexidade daquilo que pretendemos pois quanto mais complexa for a informação que queremos transmitir mais importante se torna o apoio teórico. Quando estamos perante um grupo novo e queremos implementar um determinado tipo de comportamentos, torna-se decisivo apoiar aquilo que pretendemos com imagens e outros recursos teóricos. Também se pode tornar importante quando vemos que acontece algo que não é congruente com o que pretendemos e que, em consequência disso, tem que ser corrigido para não se repetir, isto é, quando na prática não se consegue resolver é uma possibilidade recorrer a um apoio visual que facilite o aparecimento daquilo que pretendemos.

P: Sabendo que os sujeitos da aprendizagem têm que estar conscientes dos comportamentos em causa nas situações de aprendizagem (exercícios) para poderem direccionar o “foco” do seu cérebro, como toma isto em consideração na operacionalização do treino?

R: Fundamentalmente temos que perceber que o exercício quando surge já tem que estar configurado de modo a que os comportamentos que pretendemos em termos de princípio, de objectivo, se evidenciem, ou seja quando o estruturamos já críamos condições para que o que pretendemos surja com frequência. Isto é o mais importante, é a Especificidade do exercício e nós como treinadores, em função das nossas necessidades é que vamos elaborar o exercício de acordo com determinado objectivo.

Durante a execução do exercício, a intervenção em função da relação jogador-exercício-treinador, faz que por vezes sintamos a necessidade de criar ainda mais qualquer acrescento para que o que pretendemos se manifeste de forma ainda mais vincada e este tipo de intervenção é apenas possível se soubermos muito bem onde estamos e para onde queremos ir, isto é, exige-se um conhecimento muito bem estruturado do Modelo de Jogo que nos permita reajustar a intervenção sempre no sentido de um direccionamento específico. Quando criamos exercícios novos há a necessidade de os experimentar de ver como resultam na prática e aí é frequente procedermos a correcções de pequenos detalhes mas o fundamental é sabermos exactamente o que queremos e criar o exercício mais adequado possível a essa necessidade de forma a que quando o colocamos aos jogadores eles experimentem os comportamentos e objectivos que queremos.

P: Um dos objectivos do treino é contrariar a lentidão do cérebro através do desenvolvimento da capacidade de antecipação. Que configuração dá á prática para que isto surja com a maior brevidade possível?

R: A Especificidade em relação ao Modelo de Jogo é fundamental e a partir dai temos que criar condições para que o jogador se confronte com o máximo de situações possível para que consiga antecipar-se promovendo um aparecimento natural das coisas sem que haja necessidade de um processamento demorado da informação, ou seja, tem que haver uma lógica de resolução dos problemas que seja subconsciente. A Especificidade que colocamos no treino vai permitir que o jogador se adapte a uma determinada forma de jogar e que, em consequência disso, na competição ele se antecipe num conjunto de situações permitindo uma resposta bastante mais rápida. Naturalmente que isto é também um processo de habituação e a progressão do menos complexo para o mais complexo é crucial para facilitar a aprendizagem.

A experimentação dos comportamentos desejados vai fazer com que se tornem cada vez mais naturais e devido a isso vai decrescendo a necessidade de pensarmos muito sobre eles, as coisas acontecem de uma forma simplificada porque a partir da criação do hábito que é adquirido a partir experimentação das realidades que pretendemos, o jogador não tem problemas em encontrar a resposta pois é uma experiência já adquirida.

P: A obtenção de sucesso para que algo seja aprendido mais facilmente é um dado adquirido. Na operacionalização do treino como encontra o equilíbrio entre a promoção do sucesso como facilitador da aprendizagem e a criação de exercícios com um grau de dificuldade adequado?

R: Tocamos novamente no princípio da progressão do menos complexo para o mais complexo. A necessidade de ir maturando cada vez mais os nossos princípios e sub-princípios é uma evidência. No início temos que reduzir a complexidade para que, numa primeira fase, a repetição sistemática dos princípios ocorra com sem grandes entraves e depois, numa fase mais avançada quando sabemos que esses princípios já se consubstanciaram em hábito, a complexidade do exercício é maior e como tal devemos centrar a nossa preocupação em perceber de que forma é possível aumentar a qualidade do nosso jogo partindo de patamares de complexidade cada vez maiores.

P: Aquilo que é aprendido tem que ficar de alguma forma retido para poder ser evocado no devido contexto. Na operacionalização do treino que diferenças descreve entre os exercícios maioritariamente de aprendizagem e aqueles mais direccionados para a manutenção de algum princípio?

R: Em primeiro lugar temos que perceber em que nível nos encontramos. É decisivo percebermos o que é a cultura individual dos jogadores em termos do jogo, é fundamental perceber as qualidades dos jogadores e perceber isso em função do que se pretende. Se pretendemos que haja sucesso em termos do que fazemos no treino e queremos que isso se constitua como uma aprendizagem em termos de cultura de jogo, em termos de comportamentos colectivos é necessário que se compreenda esta evolução em termos de complexidade. Isto é decisivo, mas também é decisivo fazer uma avaliação do que é a nossa equipa, os nossos jogadores e do que é o conhecimento do jogo por parte da equipa e portanto a antecipação é tão mais facilitada quanto maior for a cultura de jogo da equipa. Fazemos uma avaliação que, pela introdução dos sub-principios e dos princípios, pela complexidade dos exercícios que se criam, por vezes, como é um processo e como foi referido anteriormente, nós estamos constantemente a criar novos exercícios embora os objectivos por vezes se mantenham, criamos exercícios para que haja uma mudança, uma evolução de algo que crie algum estorvo, à execução de um determinado princípio para que haja uma readaptação estrutural e mental para que não seja um processo sempre idêntico, para que exista um enriquecimento em termos de trabalho.

A par da a necessidade que temos de evoluir para novos exercícios, também ficamos na expectativa de como irá ser a reacção dos jogadores no que se refere á relação com exercício, com as regras e com os princípios que queremos implementar. Sente-se a necessidade mesmo durante o próprio exercício de o readaptar, reajustar para que a complexidade seja maior ou menor, para que o objectivo que pretendemos, aconteça. Isto no fundo é um trabalho muito importante por parte do treinador, pela necessidade e pela relação que ele tem que ter com o próprio exercício no sentido de perceber o nível dos jogadores, da equipa e da compreensão dos princípios e sub-principios e o nível de cultura dos jogadores em termos de grupo para perceber se a aquisição e o sucesso em termos de exercícios e a aquisição do princípio está a acontecer. A partir daqui, cria-se a maior ou menor complexidade do exercício e reajusta-se nesse sentido para que as coisas aconteçam com sucesso e, naturalmente, se a situação for muito facilitada também não tiramos o melhor rendimento, porque percebemos facilmente que os jogadores executaram com a maior das facilidades e, por outro lado, se for muito complexo não é importante porque a aquisição do que pretendemos também não está a acontecer. É este equilíbrio que é fundamental mesmo na nossa relação directa com os exercícios e com a nossa intervenção na liderança do próprio trabalho, o que é necessário perceber é: temos de partir de uma menor complexidade para uma maior complexidade, identificar claramente qual é a cultura dos jogadores e o nível de jogo da equipa e a partir daqui criar exercícios no sentido de se ajustar ao máximo de sucesso na aquisição de objectivos. Não podemos é trabalhar nos extremos, nem na maior complexidade nem na menor complexidade porque não existe estorvo no processamento do trabalho, do que se pretende à acção, também não existe evolução, temos de criar situações em que o jogador tenha que se reajustar, readaptar a algo novo para que essa evolução possa acontecer.

P: É sabido que na codificação da informação, o pré-conhecimento da matriz é facilitador da aprendizagem pois apenas há a necessidade de re-codificar aquilo que muda relativamente àquilo que já era conhecido. Como lida com este facto na prática sabendo que existem diferentes ritmos de aprendizagem para diferentes indivíduos, que há jogadores que chegam de novo e têm que codificar todo um conjunto de informação que a maioria já domina?

R: É tão mais fundamental apoio teórico quanto maior é o desconhecimento do jogador ou da equipa em relação a um determinado tipo de comportamentos que se pretende para a equipa, e quando se particulariza um jogador que é novo na equipa e que precisamos de o introduzir numa cultura grupal para ele jogar como queremos. Em primeiro lugar nós já o seleccionamos para ele fazer parte da equipa porque ele tinha características que interessavam no sentido do que se perspectiva (em termos de jogo), depois existem comportamentos que são necessários e fundamentais dentro da linguagem da equipa e normalmente o que nós fazemos aos jogadores novos é criar condições facilitadas para que, sem prejudicar o grupo, eles possam ter presente um conjunto de experiências que lhes permitam adquirir mais rapidamente o conhecimento do que é a equipa. Por vezes, se lhe podermos chamar assim, podia dizer que é feita uma “lavagem cerebral” no sentido de dar apoio visual e teórico com que o jogador acompanha as reuniões individuais e colectivas, em exercícios tentamos criar situações onde ele possa ter experiências ao nível do que nós pretendemos dele, mas é obvio que há necessidade de uma maior intervenção e particularização dos comportamentos em relação a este individuo especifico mas sem que isto prejudique o contexto do que é a informação e a complexidade a que os outros estão habituados, no fundo temos de encontrar um equilíbrio de forma a que se identifique o jogador com os comportamentos, linguagem grupal e cultura de jogo da equipa, e tentar fazê-lo como a melhor forma de facilitar a compreensão da informação dada, seja teórica ou visual e ao mesmo tempo fazer experimentação prática de um conjunto de exercícios que permitam que ele vivencie esses mesmos comportamentos de jogo que pretendemos. Naturalmente, temos de perceber que ele próprio necessita de uma evolução em termos de complexidade e que é tanto maior quanto maior for a evolução e a progressão do jogador. Depende muito do jogador, depende da inteligência dele e da sua própria cultura de jogo para perceber mais rapidamente quais são as ideias do treinador, quais sãos os comportamentos que o treinador pretende para ele enquanto elemento de equipa e qual é a liberdade que ele tem dentro da equipa.

Por vezes há necessidade, em termos de equipa, de reajustar comportamentos de alguns jogadores em função da qualidade do jogador. Podemos dar o exemplo de um jogador ala ou extremo em que se sabe que é um jogador extremamente forte no um contra um, temos então de criar mecanismos de equilíbrio na equipa para que no momento em que se sabe que apesar dos comportamentos dele estarem subordinados àquilo que é o colectivo temos de encontrar um equilíbrio comportamental dentro da equipa para que estejamos preparados para quando o insucesso acontecer. No fundo isto são os pequenos reajustes comportamentais em termos de equipa de acordo com aquilo que é a realidade de um novo elemento que é introduzido e que vem fazer parte do grupo. São pequenos reajustes mas nunca é uma alteração drástica da forma de jogar, são reajustes específicos em função, por vezes de um plano estratégico, e isto acontece frequentemente, é um processo também evolutivo e, por vezes com o pequeno detalhe fazemos a diferença e também a própria forma do jogador, que é importante para nós, e a própria forma de estar deste jogador faz com que nós criemos mecanismos para fomentar o sucesso em jogo. Por vezes temos de encontrar soluções comportamentais noutros elementos do grupo que não prejudiquem a linguagem comum da equipa mas que permitam facilitar o sucesso do elemento em si. Há um conjunto de detalhes que não só ocorrem quando o elemento é novo mas também durante a própria época e são fundamentais para que o sucesso em termos de grupo aconteça.

P: Conhecendo a sua forma de perspectivar o treino sabemos que a sua acção se direcciona mormente para o condicionamento do plano macro do “jogar”. Quais os traços gerais das características da sua intervenção no plano micro?

R: É tão mais importante quanto mais perturbador for para a resolução do jogo para o sucesso da equipa. É tão mais importante a intervenção quanto maior for o prejuízo da nossa forma de jogar pois apesar de ser micro, ou como lhe quisermos chamar, é importante na medida em que pensamos que há necessidade de intervenção em função do que isso possa influenciar a equipa em termos de jogo. Portanto, essa intervenção por vezes pode ser feita porque percebemos que algo acontece, mas podemos fazer uma intervenção quando se faz a pausa do exercício e se chama à atenção de aspectos que são importantes para o exercício, chamando à atenção particularmente para a questão que é micro mas que pode ter alguma perturbação. Por vezes sentimos a necessidade, durante o próprio exercício, de o interromper para que esse comportamento ou esse detalhe em termos de comportamento não se repita ou não aconteça, é tão maior a nossa intervenção imediata para parar um exercício no sentido de interromper o que está a acontecer quanto maior for a perturbação desse micro no macro do jogo. Podemos dar do exemplo do lateral que perde a bola, do ala que perde bola, do pivot que perde bola ou o médio interior que perde bola, é tanto maior a intervenção quando nós percebemos que é mais prejudicial para a nossa equipa é esse comportamento. Tudo é subordinado ao macro, o individual está sujeito àquilo que é a linguagem comportamental comum, o individual tem que estar identificado com isto, quando o erro ocorre e quando um determinado detalhe, sob o ponto de vista individual, vai prejudicar o comportamento colectivo, esses equilíbrios colectivos da equipa têm que se ajustar de imediato. Então é tão mais importante a nossa intervenção quanto mais isso prejudicar a nossa equipa. Se tivermos que fazer essa intervenção e parar imediatamente o exercício para fazer perceber claramente que algo é errado, que algo não está correcto ou que algo pode ser importante, também não é só quando as coisas acontecem de negativo é também quando elas acontecem de positivo porque quando elaboramos um exercício elaboramos um princípio que não é um fim. Não é um fim porque permitimos que a partir dali as coisas evoluam em função da criatividade dos jogadores subordinado àquilo que nós pretendemos em termos globais do grupo, mas damos também liberdade de um mecanismo não mecânico, isto é, no fundo nós atribuímos o principio, organizamos esse principio mas ele não se esgota naquilo que nós estabelecemos no cumprimento do objectivo que queremos que aconteça, mas a partir dai temos que perceber que tudo tem uma evolução e essa evolução também faz pensar em novas coisas.

P: Admitindo uma equipa como um conjunto de jogadores com diferentes funções que condicionam as propriedades do todo, é esse todo que baliza a consecução ou não dos comportamentos pretendidos. Porém, a evolução desse todo assenta na melhoria individual de cada um dos seus constituintes, melhoria essa sobre-condicionada a referências eminentemente colectivas. Sendo dada total primazia a esse objectivo colectivo, como trata na prática casos individuais que por algum motivo não atingem esses referenciais colectivos impedindo a sua melhoria contextualizada?

R: Em primeiro lugar temos de perceber que a equipa é mais importante que o individual e se percebemos que há um jogador que tem qualidades e que essas qualidades também podem ser importantes para nós, por vezes acontece que as suas características apesar de serem interessantes e de nós até achamos que podem contribuir de forma positiva para a equipa ele não se insere na nossa forma de jogar. Há pouco falamos um pouco disto, podemos encontrar mecanismos dentro da própria equipa de forma a que possamos suportar estas características individuais, porém não podemos fazer com que essas características individuais sejam um estorvo àquilo que é a nossa forma de jogar. Temos de encontrar um ponto de equilíbrio e também temos de acreditar que é possível encontrá-lo dentro da equipa. Em nenhum momento devemos fazer com que ele prejudique a nossa equipa e temos de tentar encontrar o equilíbrio, o que também depende da inteligência dos jogadores. O jogador também tem de perceber, na perspectiva do que é a equipa, e a equipa tem que conhecer o jogador para permitir a sua integração, agora é fundamental entender que às vezes os jogadores, por muito que queiramos, não têm cultura nem inteligência táctica suficiente para poderem perceber o nosso jogo, por vezes têm características individuais extremamente interessantes mas não tem condições para jogar na nossa equipa. O nosso trabalho é criar condições para inserir um jogador no contexto de grupo sem que ele prejudique a nossa dinâmica colectiva pois em nenhum momento ele pode criar perturbação à dinâmica colectiva e para isso nós promovemos a criação de alguns mecanismos de forma a que ele seja suportado pela equipa e isto é decisivo, tem que ser é bem estruturado de forma a que consigamos perceber que por vezes os jogadores vêm habituados a uma determinada posição e as suas características fazem com que se pense nele em posições diferentes onde se possa explorar melhor certas capacidades e essas características do jogador numa outra posição que não aquela a que o jogador está habituado. Podemos dar o exemplo em que tivemos vários jogadores, no último clube onde estivemos, que estavam referenciados para determinada posição no terreno e que nós percebemos que, na nossa forma de jogar, esse jogador não era o mais indicado ou não tinha as características mais indicadas para aquilo que pretendíamos e encontramos soluções posicionais diferentes para esses jogadores. Um exemplo concreto foi o Geremi que estava referenciado como um jogador de meio campo onde podia jogar em qualquer uma das posições desse sector, isto é, pivot, interior direito ou médio interior esquerdo e que jogou imensas vezes a lateral, chegou a jogar a ala, portanto em função da necessidade e em função das características de outros jogadores que estavam no terreno nós conseguimos criar um suporte de forma a que este jogador pudesse dar uma contribuição à equipa. Temos de conhecer muito bem os jogadores e é com o tempo que isso também acontece, e assim conseguimos criar condições para que ele possa ser importante dentro da equipa.

P: Os desvios criadores, os desequilíbrios, surgem-nos como algo que de alguma forma tem que estar ligado ao MJ. Como os perspectiva na dimensão macro, isto é, como os potencia sabendo que dizem respeito a uma ordem oculta?

R: Nós não somos inibidores de criatividade. Temos uma linguagem comum que é um ponto de partida pois o Jogo é uma dinâmica onde constantemente surgem coisas novas que criam dificuldades aos jogadores e criam constantemente a necessidade do jogador responder com sucesso a essas situações. Neste sentido, é importante percebermos que a linguagem que introduzimos é um guia mas depois esse guia de organização colectiva permite que a criatividade e a individualidade contextualizada surja sustentada nessa linguagem comum. Em termos individuais as características de um jogador fazem com que tu cries mecanismos de suporte a esse jogador de forma a que o sucesso seja mais facilmente alcançado. Por exemplo os jogadores que são muito fortes no 1x1 “exigem” que se criem formas de equilibrar a equipa quando ocorre o insucesso. Digamos que é fundamental não inibir a criatividade mas é fulcral que isso esteja inserido na perspectiva do todo pois tem que existir sempre esse suporte, isto é, não pode ser aleatória nem desinserida de um contexto pois aí estamos a desequilibrar a nossa equipa em vez de desequilibrar o adversário. O jogador tem que ser inteligente para perceber quando pode dar azo à sua criatividade e tem que existir essa sensibilidade caso contrário a equipa pode sentir efeitos negativos pondo-se em causa o sucesso da equipa, portanto tem que existir este ponto de equilíbrio e isto é tão mais possível quanto melhor os jogadores conhecerem a dinâmica comportamental da equipa!

P: Admite como potencialmente importantes para a consecução do Modelo de Jogo outras coisas que não a repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo, isto tendo em conta a sua vasta experiência a top? (musculação, personal-training, piscina…)

R: Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo porque é FUNDAMENTAL perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá. Numa época extremamente competitiva onde por vezes a falta de tempo para treinar obriga-nos a fazê-lo numa supra-especificidade relativamente ao Modelo, a única preocupação que temos é treinar comportamentos de jogo, é treinar princípios, é atender ao lado estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no próximo jogo, corrigir comportamentos do jogo anterior, ou seja, temos que rentabilizar ao máximo o tempo que temos para treinar, para potenciar ao máximo o padrão comportamental que queremos e não pensamos em mais nada!

P: Mas estando a top, onde qualquer detalhe é decisivo, não sente necessidade de uma individualização do treino com recurso a máquinas de musculação, piscina, personal-training… Insisto nisto porque somos confrontados diversas vezes, mesmo dentro da nossa Faculdade, com o facto de vocês no Chelsea, utilizarem este tipo de recursos? Confirma isso? Em que moldes o faz?

R: Só por idiotice e falta de rigor científico se pode afirmar uma coisa dessas porque a necessidade em termos de evolução do jogo é de tal ordem que não temos tempo para pensar nesse tipo de particularizações e nessas questões. A nossa perspectiva de trabalho não fomenta isso porque não acredita que isso se possa privilegiar em termos de rendimento e como o que nós queremos é rendimento e isso passa por organização é de uma extrema idiotice por em causa ou dizer-se - e eu não sei onde se foi buscar essa ideia- que temos personal-trainers ou fazemos musculação. É uma falta de rigor científico enorme fazer-se comentários desse género pois quando nós não temos tempo para treinar aquilo que é fundamental para nós, quanto mais para treinar coisas que não fazem parte da nossa forma de pensar o treino, portanto elas não fazem parte da nossa natureza mesmo que tivéssemos tempo e que fique bem claro que elas não existem na nossa forma de treinar! Volto a repetir que só por idiotice e por falta de rigor científico é que as pessoas podem dizer que nós tínhamos personal-training ou que fazíamos treinos na piscina! Aliás queria-te pedir para que, quando fosses novamente confrontado com essas afirmações, convidasses essas pessoas a fazer um estágio connosco para saber qual é a nossa realidade e para terem maior rigor quando fazem esse tipo de observações. Nós não temos que provar nada a ninguém nem temos necessidade de dizer que fazemos coisas que depois na realidade não fazemos, portanto até me dá vontade de rir quando me dizes que ouves isso. O principal responsável era o treinador e em seguida era eu e como segundo responsável da estrutura técnica afirmo que é ridículo pessoas dizerem que fazemos um determinado tipo de coisas que na realidade não fazemos! Quem não acreditar pode vir observar e constatar o que estou a dizer.



É fácil perceber que durante um processo de reabilitação médica, existam jogadores que tenham, pela forma como o departamento médico se organiza, responsáveis pelo seu processo de reabilitação, de superação da lesão, e estes jogadores eram entregues a elementos do departamento médico que tinham em determinadas horas o cuidado de tratar deles e actividades para fazer com os jogadores sendo que aí sim, utilizavam os meios que eles consideravam serem importantes para a sua recuperação mas aqui os jogadores não estavam a trabalhar no terreno, não estavam entregues à equipa técnica pois estamos a falar do processo de recuperação onde iam ao ginásio, faziam hidroginástica mas numa perspectiva de recuperação funcional e biomecânica. A partir do momento em que os jogadores estavam recuperados funcionalmente e voltavam para o terreno, todo o trabalho era progressivamente específico em termos de modalidade e Modelo de Jogo. Não temos necessidade de provar nada a ninguém, até pelo trajecto que temos feito, nem temos necessidade de dizer que fazemos uma coisa e fazermos outra só porque nos lembramos de dizer que somos diferentes. Nós somos efectivamente diferentes e para as pessoas que não conseguem perceber essa realidade é-lhes mais fácil dizer que nós somos iguais a eles do que dizerem que trabalhamos duma forma diferente porque nós sabemos como eles treinam mas eles desconhecem completamente a nossa forma de operacionalizar o treino.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
Campos, C. (2007). A Singularidade da Intervenção do Treinador como a sua «Impressão Digital» na… Justificação da Periodização Táctica como uma «fenomenotécnica». Porto: C. Campos. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
 
Monografia de Licenciatura realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na opção de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
 
Orientador: Professor Vítor Frade


Autor: Carlos César Araújo Campos

4 comentários:

Anônimo disse...

Apenas um pequeno adendo, não estou a desmintir as palavras do professor... porém em uma época tão desgastante é esperado que surjam desequilibrios musculares, vicios posturais e enfraquecimentos que devem ser tratados de forma a prevenir lesões e isto não é papel da reabilitação e sim da preparação física do clube em questão, sendo assim acho perigoso realizar afirmações desse naipe.
Em recente palestra, o professor Carravetta foi confrontado com essa informação da falta do dito treino físico no futebol europeu, e ele afirmou categoricamente que isso é bobagem. Em primeiro pq a maioria dos jogadores possuem um personal trainer e realizam treinos fora da agremiação, e em segundo pq o físico está inserido sim, apesar das negativas.
Vejam bem, não estou a desmentir ou acusar ninguém, mas devemos ver todas as esferas antes de afirmar algo.

Luis Esteves disse...

Primeiro amigo, gostaria que você se identificasse para que pudess elhe chamar pelo nome.

2 - Estas palavras não são minhas, e sim do professor Rui Faria, afinal a postagem é uma entrevista com o mesmo e estas são as opiniões dele.

2 - COnheço bem as ideias do professor Élio Carraveta ao qual tive o prazer de ser aluno em Metodologia do Treinamento Desportivo e Musculação, porém não sou obrigado a concordar com ele em absolutamente nada, sou obrigado a concordar apenas com o que acho mais pertinente ao treino.

3 - Em nenhum momento em todas as postagens neste blog, se afirmou que o físico não esta inserido nos treinos, seria ingênuo pensar que em esportes de rendimento a dimensão física devesse ser desvalorizada, ela é apenas subjugada ao comportamento tático, apenas isso, afinal você acha que fisicamente o SC Internacional do Carraveta que possui um modelo de posse e circulação, precisa das capacidades físicas em médias iguais as do Grêmio do Paixão que tem como principais características a transição ofensiva vertical e a zona pressionante principalmente pelos corredores laterais? será que o personal treinar consegue contextualizar isso?

E por último, em épocas tão desgastantes como a nossa, ainda mais em alto nível, o treinamento físico mesmo em equipes que tem no convencional sua principal fonte de treinos, acaba por não ser utilizado e os treinamentos são puramente de recuperação, a maioria dos preparadores falam isso inclusive o próprio Carraveta disse isso no último ciclo de palestras, que um percentual muito baixo era utilizado para treinos físicos específicos, e que o resto estava inserido em treinos técnic-táticos.

A questão é, existe uma contextualização disso a um modelo de jogo específico?

Grande abraço

Anônimo disse...

Hi.

The site is awesome. But the problem is that I don't understand too much in portuguese. Could you give an option to translate it to English?
I'm from buenos aires, Argentina.
Keep up the good work!
Take care.
www.jugadoreslibres.com.ar

Anônimo disse...

Bom dia, o Prof. Rui Faria sabe muito , e claramente que quer vender a sua banha da cobra! Perfeitamente compreensível!!!! O que é realmente estranho é se falar tanto na periodização tactica de imensas terminologias, complexidades, especificidade, e não ah uma alma com inteligencia para lhe confrontar como é que eles fazem adaptações Fisiológicas( treino, da resistencia, velocidade, forca, etc,etc) dentro dessa metodologia de treino, porque treinar desenfreadamente meus amigos isso como diz o professor Manuel Sérgio é o reino das bestas esplêndidas!!!