sábado, 20 de novembro de 2010

FASES DE ORGANIZAÇÃO OFENSIVA


" Antes de qualquer aula, o professor deve perguntar a sí mesmo: Qual o tipo de pessoa que eu quero que nasça da aula que vou lhe ensinar, e depois entra na aula. "

Manuel Sergio




Começo aqui uma série de cinco postagens (Que serão subdivididas). Serão baseadas nos quatro momentos do jogo e em sub-momentos de bola parada. Iniciarei com a Organização Ofensiva, após isso virão Transição Defensiva, Organização Defensiva e Transição Ofensiva, após colocarei alguns exemplos de bola parada de diferentes tipos. O objetivo destas postagens é identificar mecanismos (dinâmicas) de sucesso dos princípios, em equipes que conseguem fazer isso como comportamento padrão.


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ORGANIZAÇÃO OFENSIVA
PRINCÍPIO DA POSSE E CIRCULAÇÃO


Ter a bola e gostar dela, e conseguir mante-la em posse é uma verdadeira arte, pois depende demais dos timmings e da capacidade de criação  tomada de decisão individual de cada jogador, dentre outros elementos do sistema, dentro da estrutura e principalmente do modelo da equipe, pois para mim o modelo é como uma linguagem, e se um dos jogadores não falar a mesma lingua, acaba comprometendo toda a conversa.

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OBSERVAÇÃO IMPORTANTE!
JUSTIFICATIVA PARA DETERMINADOS COMPORTAMENTOS


A NECESSIDADE DE UMA ESPECIFICIDADE PRECOCE
Como referência no assunto tomarei o exemplo do FC Barcelona, equipe hoje que constantemente apresenta a maior e melhor posse de bola em equipes de alto nível na minha opinião. Porém gostaria de salientar o seguinte: Atualmente eu trabalho com uma equipe de base, ou seja, trata-se de futebol formação/educação, e não futebol rendimento, embora o rendimento faça parte do processo, os dois tipos de jogo torna-se diferentes pela forma como se hierarquiza as importâncias, os conceitos e os ideais. Na base o rendimento é secundário, costumeiramente pode ser irregular, e o processo deve ser sempre de tranquilidade e paciência, com o menor teor possível de pressão por resultados, e o foco deve estar totalmente no processo do jogo, ou seja jogar e gostar do jogo. E isso não ocorre normalmente em equipes de base que vejo e jogo muitas vezes contra. 
Por exemplo, é costumeiro ver um jogador dar um balão, retirando a bola do estádio e vibrar com isso. Não digo que isso seja errado ou certo, porém, em termos hierárquicos devemos colocar os comportamentos que queremos sempre mais valorizados, ou seja, vai haver um momento em que uma bola deverá ser rebatida, porém, se a cada 10 bolas que meu jogador recebe, 8 ele rebate e duas ele consegue dominar e ficar com a posse, tenho determinado tipo de hierarquia de conceitos.

Portanto quando tomo o FC Barcelona como exemplo, sei que os campos de base são ruins, as bolas ruins, os adversários não querem jogar, o jogo é em maior parte de lançamentos, esta realidade é comum para mim nos últimos 8 anos, porém, admitindo que o processo que eu quero é o de formação e educação do jogador, afim de criar nele um núcleo duro de filosofia sobre futebol que privilegie o futebol bem jogado, limpo, com a única preocupação em jogar com prazer e qualidade no máximo limite de concentração possível, não posso mudar mesmo que em alguns momentos eu saiba que os elementos do ambiente irão prejudicar a nossa proposta de jogo. Porém é fundamental que o treinador esteja em um nível profissional em que ganhar um jogo já não é mais importante do que formar jogadores, e isso não significa que não gosto de ganhar, porém há muitas formas de ganhar e quando se esta formando pessoa deve-se ter muito cuidado com isso, pois dali a 5 ou 6 anos, podemos estar definindo como será ou não o futuro do jogador graças as experiências que ele adquiriu nos anos anteriores, graças a hierarquia de valores que ajudamos a criar na sua estrutura mental.

Sabemos que hoje o futebol de alto rendimento, o futebol de top é um grande negócio, que movimenta a paixão e a economia de muitas sociedades, não tem mais cabimento formar jogadores acostumados apenas a ganhar, pois ganhar na base é diferente de ganhar em níveis maiores, daí a explicação do porquê muitos jogadores destaques na base não conseguem o mesmo rendimento em categorias maiores, exatamente pelo processo que foi estimulado, ou seja é preciso haver um equilíbrio, sabendo que é muito importante ganhar e formar pessoas vencedoras, mas na base o caminho até a vitória sempre será mais importante que o resultado, se não fosse assim não haveriam casos de jogadores campeões de Efipan, Santiago, Copa Nike, Copa São Paulo, que chega na equipe profissional e não consegue se manter, para mim isso é resultado de um processo imediatista que assume o resultado como ponto principal do processo, eu pessoalmente acredito que o resultado é apenas o feedback de um caminho construido.
Assumindo então esta importância em termos de espetáculo, só há um caminho para a base, formar jogadores de alta qualidade e concentração nos quatro momentos do jogo, com raizes conceituais muito fortes a ponto de, quando chegarem em níveis de estress e pressão absurdas do futebol de top, nacional e internacional, consigam, através desta raiz conceitual, expressar todo o seu jogo com a velocidade e a qualidade que o futebol de rendimento necessita. Eis aqui a justificativa para este modelo de pensamento, formar para jogar e depois para ganhar é diferente de formar para ganhar e depois para jogar.

ORGANIZAÇÃO DOS DIFERENTES MOMENTOS DA POSSE E CIRCULAÇÃO

Dentro desta ideia, venho tentando desenvolver mecanismos (Mecanismos não-mecânicos, este nome não é de fato o melhor nome para descrever estas interações, porém ainda não encontrei nenhum outro nome para isso) facilitadores da posse e circulação, que se estabelecem dentro de 3 fases básicas de Organização Ofensiva. Seriam eles:

1ª Fase: Organização e Criação dos Espaços
2ª Fase: Aproveitamento dos espaços
3ª Fase: Finalização da Jogada



É importante dizer, mesmo sendo lógico, que os mecanismos de cada fase estão muito ligados a estrutura que se utiliza e neste caso será usado o 1.4.3.3.

Além destes mecanismos, outro elemento fundamental para haver sincronismos de ações são os conceitos. Estes conceitos/princípios permitem que os jogadores possam antever a próxima jogada de acordo com a situação que surge pelo imprevisto do jogo. Estes conceitos estão inseridos em cada momento do jogo, e servem como guia comportamental da equipe.

Bom, primeiro vou destacar alguns pontos que considero importantes nestas 3 Fases:


OBJETIVO :
Organizar a equipe em largura e muita profundidade, afim de gerar espaços para haver uma saída com a bola dominada, para posteriormente entrar na 2ª fase.
1 FASE: ORGANIZAÇÃO E CRIAÇÃO DE ESPAÇOS


Nesta primeira fase ocorre a saída de bola, normalmente com o goleiro. Esta fase se caracteriza por um maior espaço, o que possibilita uma circulação mais controlada, com maior domínio de ações.

É comum ter superioridade numérica nesta fase, então é necessário saber aproveitar isso gerando linhas sempre disponíveis de passe em relação ao jogador que tem a bola.

LINHAS DE PASSE

Todos os jogadores são linhas de passe, porém, existem linhas mais seguras que outras, e estas eu chamo de linhas fundamentais para a circulação, e estão representadas no quadro abaixo:


Como comportamento então devemos estimular os jogadores a identificar onde a bola está, com quem está, e a partir daí devem criar possibilidades de recepção de bola, usando conceitos que veremos mais a frente, baseado no comportamento que o adversário irá proporcionar, ou seja, não é uma modelação, é sim uma adaptação estrutural sem modificar no entanto o modelo da equipe, trata-se somente de pequenas movimentações multi-direcionais buscando espaços para recepção.

É necessário identificar as linhas seguras e as linhas de perigo. Exemplo:

- Linha do Zagueiro ao Lateral do mesmo lado - Normalmente segura
- Linha do Lateral ao Lateral - Normalmente perigosa

TIPO DE PASSE

É um conceito básico, porém importante salientar. Outro elemento fundamental é a direção do passe. Sempre procurar jogar em diagonais, isso é muito importante, pois possibilita um passe em segurança, diferente de passes paralelos, como no exemplo abaixo:


 
Além da direção, vale a pela salientar que o passe deve apresentar as seguintes características:

- Precisão - No pé dominante;
- Local - No espaço vazio ou no jogador;
- Velocidade - Deve ser rápido e seco, evitando demoras para chegar no ponto desejado;
- Tensão - Deve ser um passe que possibilite se necessário um direcionamento ou um passe de primeira, portanto deve ter tensão;
- Variação - Curto e longo
- Variação - Rasteiro ou Alto

CRIAÇÃO DE ESPAÇOS

O maior objetivo desta fase é gerar espaços, principalmente para que o 1º volante ou os laterais, recebam a bola com possibilidade de passa-la a um dos meias para que esse consiga receber a bola de frente para o jogo e sem estar pressionado.

Para que isso ocorra, existem mecanismos que os meias podem utilizar para gerar estes espaços, um deles esta descrito no quadro abaixo:


Na figura identifica-se o espaço gerado pelo avanço dos meias. É necessário um timming bom para que simultaneamente os meias retornem e já estejam disponíveis no momento em que o volante ou o lateral recebam a bola de frente para esse. Algumas vezes o adversário acompanha os meias até bem próximo da ultima linha, o que gera um espaço melhor, equipes que marcam de forma individual ou mista fazem isso. Outras equipes não acompanham, se isso ocorre, também é bom, pois gera uma superioridade numérica próxima da última linha, o que pode ser interessante - Figuras abaixo:

COM ESPAÇO:


SEM ESPAÇO:


Estes mecanismos dependem de uma comunicação gestual muito forte, ou seja os jogadores precisam ter os tempos de entrada, precisam de determinados sincronismos para possibilitar a circulação sem pressão, pois um ou dois segundos antes ou depois, o passe já pode sair errado ou pressionado. Exemplo da entrada dos meias no espaço gerado quando a bola entra no volante ou laterais:




Caso ocorra um acompanhamento da marcação junto aos meias, um novo espaço se abre, para o atacante de centro receber e fazer o jogo frente/costas para um dos meias:


Outro mecanismo utilizado é a criação de uma espécie de 3º zagueiro por conta do 1º volante. Isso ocorre quando determinado tipo de pressão acontece, retirando espaços demais do interior, evitando assim que a bola chegue no volante com possibilidades de progressão.
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Aproveito para exemplificar de forma prática este mecanismo. Coincidentemente em meio a produção desta postagem estive conversando com o professor Cristian de Souza, treinador dos juniores do Grêmio FBPA (adaptado de uma forma diferente ao da figura acima, pois ele joga atualmente em um 1.4.5.1 com dois volantes e 3 meias) , e ele me revelou utilizar este mecanismo em determinados momentos como opção de entrada da 1ª para a 2ª fase de organização ofensiva, isso pode ser visto na imagem abaixo:



Em resumo, esta fase deve fazer com que a bola chegue em condições frontais para um dos meias criar situações a partir da 2ª fase, buscando a finalização.

ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES NA ORGANIZAÇÃO OFENSIVA

CONDUÇÃO PARA CRIAR LINHAS

Conceito interessante muito utilizado pelo Guardiola atualmente no FC Barcelona. Diz respeito a conduzir, atrair o adversário e gerar uma linha nova, muitas vezes através de um jogador que ficou livre por causa dessa atração. Ele chama esse princípio também de Provocar para atrair. Junto a este comportamento ele coloca também o princípio do Homem Livre, que seria o jogador que ficou livre para ir pressionar esse jogador que atraiu com a condução.

JOGO FRENTE COSTAS

Conceito fundamental na manutenção da posse e na conexão entre setores, quem esta de costas para a defesa serve como apoio para quem vem de frente. É uma questão de visão de jogo, visão do adversário e das possibilidades de espaço. São estações de conexão entre setores, jogadores de apoio, ou seja os que estão de costas para o adversário servem como apoio a quem está de frente.

JOGO ENTRE LINHAS

Conceito fundamental que é representado pela mobilidade entre linhas do adversário. Movimentar significa sair de uma zona e ir para outra, esta movimentação poderá ser "entre linhas". Entre linhas em forma horizontal e entre linhas em forma vertical. É fundamental para receber a bola sem pressão, e para gerar novos espaços que serão aproveitados por jogadores da equipe criando estações de ligação entre setores.

VELOCIDADE COLETIVA

É a velocidade de sincronismos entre equipe e a bola. É a velocidade de circulação, velocidade em que a bola percorre um lado ao outro do campo, velocidade de movimentos em pequenos e grandes grupos. Se dá pela fluidez do jogo de forma horizontal, diagonal e vertical.

MUDANÇA DE RITMO

É muito importante pois é comum confundir velocidade com pressa, e para isso muitas vezes para ser rápido é necessário parar a bola para que outras coisas aconteçam. As vezes jogar em dois toques é bom, as vezes em um toque, as vezes é necessário conduzir e as vezes é necessário dribles, o que não é necessário é a linearidade. Normalmente modelos diferentes apresentam zonas mais favoráveis para determinado tipo de ritmo.

VARIAÇÃO DE ENTRADAS

Diz respeito a situações programadas que são previamente organizadas a fim de gerar um plano previsível ao jogador, ou seja, os jogadores estão ali e sabem que determinada ação pode ocorrer e assim por diante.

TIMMING DE DESMARCAÇÃO E PASSE

É talvez uma das coisas mais difíceis de conseguir, pois depende muito da sensibilidade do jogador e do conhecimento específico, e só pode ser conseguido através do treino específico do modelo. Diz respeito ao momento exato de sair de um lugar, e ir receber a bola em outro sem pressão. Mas não é tão simples assim, pois o passe dado pode ser no pé ou em um espaço vazio. É baseado em uma comunicação gestual na maioria das vezes e necessita de percepção e temporização dos jogadores, tanto do que vai se desmarcar, quanto o que vai passar.

PRÓXIMAS POSTAGENS:

2ª FASE: APROVEITAMENTO DOS ESPAÇOS
3ª FASE: FINALIZAÇÃO DA JOGADA

Grande abraço
Luis Esteves

6 comentários:

guimorais disse...

Meu amigo Luis, apenas passei olho na postagem, quando voltar vou ler com calma....rsrs. Mas parece estar de altissima qualidade....quero trabalhar contigo...rs...para aprender um pouco..rsrs. Mas enfim, parabéns pelo otimo trabalho.

Guilherme Rabelo

Luis Esteves disse...

Obrigado professor

O trabalho está de pé aqui, de terça a sexta no maringá. hehehe

Grande abraço!

Julian Tobar disse...

Parabéns pela abordagem, muito boa e bem explicada.

Gosto muito quando os MC não baixam do meio campo para gerar espaço para os outros criarem o jogo...como vc falou é extremamente importantos laterais abertos e profundos..e o timming de entrada para aproveitar estes espaços. Para que isso ocorra é necessário um sincronismo muito grande que só pode ser alcançado através do treinamento..

Esses dias vendo o barcelona, seguidamente o Busquets baixava junto com o Pique e Puyol, para criar superioridade numérica. isso porque a equipe rival estava pressionando sempre com dois atacantes, então o volante baixava para fazer 3x2.

É muito importante a existencia e divulgação destes tipos de conceitos, sem esconder nenhum tipo de conhecimento. Isso é o fundamental!

Hugs!

Jorge disse...

muito bom, mais uma vez! sou leitor assíduo e tenho aprendido muito com as suas lições!

cumprimentos,
Jorge
http://porta19.blogspot.com

Futebol disse...

Boa abordagem.

Gostaria de saber se ja se ja tem algo sobre:

2ª FASE: APROVEITAMENTO DOS ESPAÇOS
3ª FASE: FINALIZAÇÃO DA JOGADA

Abraço

Futebol disse...

Sou seguidor do seu Blog.

Gostei da Abordagem ao MJ do Barcelona.
Gostaria de saber sobre as prox postagens.

2ª FASE: APROVEITAMENTO DOS ESPAÇOS
3ª FASE: FINALIZAÇÃO DA JOGADA

Abraço