domingo, 24 de outubro de 2010

CONVERSAS DE FUTEBOL - ARSENE WENGER




Reporter: Tem a sua equipa de sonho?

A equipa de sonho não existe. Há jogadores que jogam noutras equipas e que são intocáveis. Os grandes clubes não vendem os seus melhores jogadores. Mas tenho um plantel muito bom, com pequeninas lacunas, como todos têm. O grande segredo é fazer com que o todo seja melhor do que a soma das partes. Aí é quando a equipa está concluída.

José Mourinho
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ENTREVISTA ARSENE WENGER



Fonte: www.cidadedofutebol.com.br


Arsène Wenger, técnico do Arsenal desde 1996


"Eu tento fazer o jogador gostar do que ele faz"

Equipe Universidade do Futebol

Arsène Wenger é o mais bem sucedido técnico na história do Arsenal. Ele venceu “The Double”* em 1998 e 2002, e em 2004 foi campeão da Premier League sem perder uma só partida.

A parceria entre a Universidade do Futebol e a Soccer Coaching International possibilitou a apresentação desse material exclusivo à comunidade do futebol brasileira. O especial foi produzido a partir de uma visita ao técnico francês, que falou sobre sua filosofia de trabalho e o modo como ele compreende o treinamento da modalidade.

“Por que eu acho que sou tão bem sucedido? Essa é uma pergunta difícil. Eu penso, em primeiro lugar, que é porque sou apaixonado por futebol. Eu gosto dos jogadores e gosto de fazer o que eu faço bem. Então, para mim, é como uma obsessão sempre tentar melhorar. Assim como os jogadores, você tem que melhorar todos os dias e tem de ser humilde o bastante para questionar a si mesmo”, analisou o manager dos Gunners.

Nascido em Estrasburgo no dia 22 de outubro de 1949, Wenger iniciou sua carreira como treinador dirigindo equipe das categorias de base do time que carrega o nome de sua terra natal. Após isso, migrou para o Cannes, onde foi assistente técnico. De lá, ainda em território francês, para sua primeira experiência como comandante de uma comissão, de fato, no Nancy. Mas no AS Monaco, clube que dirigiu por oito anos, obteve as maiores glórias locais.

Campeão da Liga francesa em 1988, neste ano recebeu a honraria de “manager do ano”. Duas temporadas à frente ainda arremataria a Copa dos Campeões da França, antes de aceitar o convite do Nagoya Grampus Eight, do Japão.

“Eu acho que é uma mistura de tentar ser melhor e ser humilde o bastante para questionar o que você pode fazer para melhorar. Também é muito importante amar os jogadores. Como um treinador, você precisa ajudá-los. Ajude-os a melhorar, e para fazer isso você tem de ter uma filosofia do jogo. Nesse nível, você tenta achar os jogadores que possam se ajustar a essa filosofia”, avaliou o hoje consumado técnico do Arsenal, que inicia sua 13ª temporada à frente dos londrinos.

“Minha filosofia é sempre chegar o mais próximo possível do prazer do jogo. Eu tento falar com a parte do atleta que faz com que ele ame o jogo, com a criança que há dentro dele. Eu tento não fazer do jogo só um emprego. Essa é a parte que menos interessa. Mas eu tento fazê-los gostar daquilo que fazem. Essa é a parte com a qual eu gosto de trabalhar”, apontou Wenger, caracterizado pela visão peculiar em relação a aspirantes e jovens promissores provenientes de mercados menos ricos economicamente, como América do Sul e África, além de clubes menos expressivos do Velho Continente.


Wenger orienta seu grupo durante treinamento: o jogo não é apenas um emprego

Desde que o Arsenal conquistou a Premiership pela última vez, em 2003/04, o francês iniciou uma verdadeira revolução no grupo dos Les Invincibles. Thierry Henry, Dennis Bergkamp, Robert Pires, Ljungberg, Ray Parlour, Patrick Vieira, Gilberto Silva, Lauren, Kolo Touré, Sol Campbell, Ashley Cole e Jens Lehman, componentes daquele “exército”, foram negociados ou dispensados nos anos subsequentes.

Edu, Adebayor, Flamini, Hleb, Jose Antonio Reyes, entre outros, passaram a ganhar espaço. Hoje, entretanto, mediante a velocidade da reconstrução do elenco, já deixaram o Emirates Stadium, restando o Fabregas e Emmanuel Eboué em uma nova guinada na busca de novas conquistas.

“Eu mesmo faço todos os contratos e, é claro, sempre tento fazer os jogadores ganharem o máximo de dinheiro que eles puderem. Mas essa não é a parte que me interessa. Quando eu falo com um atleta, meu foco é a paixão que está dentro dele. Sua paixão pelo jogo e o quanto ele quer vencer e tentar desenvolver isso. A paixão que estava inicialmente em todo jogador quando ele ainda era um garoto. Essa é a parte sobre a qual eu estou interessado e quero falar. E não me interessa se um jogador ganha dois, cinco ou dez milhões. Se o clube pode bancar isso e o jogador é bom o bastante, então eu estou bem com isso”, justificou Wenger.

Para a temporada 2009/10, o jovem brasileiro Denílson, de 21 anos, ex-São Paulo, firma-se como titular ao lado do espanhol Fabregas. Nicklas Bendtner, 21, e Aaron Ramsey, 18, são outras peças que já deixaram sua marca nos gramados ingleses sob a batuta de Wenger. De aquisição significativa na última janela de transferências, o desembolso de 10 milhões de libras para tirar o defensor belga Thomas Vermaelen, do Ajax, da Holanda. O jovem belga de apenas 23 anos vem ganhando maturidade no setor ao lado de William Gallas, capitão e referência dos Gunners.


Wenger conversa com a jovem revelação francesa Samir Nasri, contratado do Olympique de Marselha

“Eu procuro uma motivação intrínseca. Acredito que isso está relacionado com a característica do atleta. A atitude que ele mostra dentro do jogo é sua real atitude. Ali ele mostra quem ele realmente é. Quando você sai do jogo, você pode disfarçar sua personalidade. Mas você realmente é quem você é quando joga”, elencou Wenger,expressando o perfil de atleta que ele almeja para si. “Nós queremos jogadores no Arsenal que tenham boa atitude. Eu estive trabalhando por 20 anos com especialistas motivacionais sobre a atitude. Nós estudamos nossos jogadores, fizemos testes com eles e eu tenho uma boa análise sobre isso. Nas nossas categorias de base, acreditamos que isso também é muito importante. Nossas equipes inferiores têm testes do nível motivacional, da atitude mental, da competitividade e da atitude de grupo. Nós tentamos fazer esses testes da forma mais objetiva possível”, finalizou.

Um dos principais jogadores do Arsenal, Robin van Persie renovou o contrato com os londrinos por mais duas temporadas. Após colocar fim aos rumores que indicavam para uma negociação – inclusive com o rival Manchester United, após este perder Cristiano Ronaldo -, o meia-atacante holandês receberá cerca de 3,5 milhões de libras por ano. Isso sem contar com o fortalecimento do suporte recebido por Arsène Wenger.

Nesta segunda parte da entrevista concedida à Soccer Coaching International, parceira da Universidade do Futebol, o manager dos Gunners expõe toda sua admiração pelo jogador de 26 anos, formado nas categorias de base do Excelsior, antes de ser adquirido pelo Feyenoord, ambos da Holanda. “Ele é uma pessoa muito sensível, mas com força, o que o faz um jogador de alta classe. Para mim, Robin van Persie é um atleta de nível, um dos melhores do mundo”, elogiou Wenger, extasiado, assim como a torcida do Arsenal, por poder ter ao seu lado um atleta considerado crucial à equipe desde 2004, quando desembarcou na Inglaterra.

Ao ingressar no clube de Rotterdam, van Persie era vislumbrado como uma das maiores promessas. Mas, lá, nunca se tornou titular absoluto. Em 2002, durante a edição da antiga Copa da Uefa (hoje Liga Europa), entretanto, ganhou uma chance na formação inicial justamente na decisão do torneio continental diante do Borussia Dortmund, da Alemanha: vitória por 3 a 2 e bicampeonato europeu para o Feyenoord. Logo chamou a atenção de Dick Advocaat, técnico da seleção nacional à época, participando ativamente do grupo principal da Holanda na Copa do Mundo da Alemanha, de 2006, e na Eurocopa, dois anos depois.

“Eu sei que assinamos com van Persie quando ele teve grandes problemas na Holanda. Antes de nada, eu achei que ele não era respeitado lá. Ele ainda era muito jovem, e não era realmente maduro naquela época. Ele estava avariado por isso, mas não destruído”, analisou Wenger.


Wenger e seu pupilo: atenção especial e compreensão do tempo de adaptação

 “Quando eu falei com ele, senti que ficaria bem. Van Persie tinha um amor profundo pelo jogo, e no aspecto humano era muito positivo. Ele era um tanto azarado na maneira como as coisas aconteceram, mas, por outro lado, o jeito como ele agia era uma mistura de força, um pouco de arrogância (o que você precisa como um grande jogador) e sensibilidade também. Ele é uma pessoa muito sensível, mas com força, o que o faz um jogador de alta classe”, acrescentou o treinador, consagrado pela capacidade de atentar promissores atletas, ainda em fase de maturação.

Quando assinou com van Persie, Wenger tinha a certeza de que o melhor caminho para a potencialização de todo aquele talento seria junto aos outros jovens em Highbury. Mas tal situação desagradou à cúpula holandesa. A direção do Feyenoord sentiu-se prejudicada com o assédio sofrido pelo jogador, devido às diversas propostas do Arsenal durante as negociações, e moveu uma ação na justiça comum contra os Gunners. No fim de tudo, entretanto, o vínculo entre jogador e a nova agemiação acabou selado após um acordo entre as partes. “Van Persie poderia ter se tornado um jogador com o qual não valeria perder tempo, mas às vezes os gênios são assim. Ele tinha evoluído muito bem. Agora, tem uma boa namorada, também, seu ambiente é bom e o clube estará sempre ali para ele”, argumentou o treinador francês, garantindo que houve muita paciência em todo esse processo.

“Ele tinha vindo para o clube com grandes jogadores, e nós demos o tempo. Além disso, eu estou acostumado a trabalhar com jovens. Eu sei que você precisa ser paciente e nós demos a ele um pouco de tempo, mas a parte maior veio dele”, elogiou.


 Van Persie treina; ao fundo, à esquerda, o brasileiro Denílson, outra aposta do clube londrino

 Logo na primeira temporada, van Persie foi utilizado majoritariamente como peça rotativa do elenco – vez ou outra não era relacionado. Já no ano seguinte, em 2005, firmou-se entre os onze principais de Wenger, condicionado pelas ótimas atuações e belos gols que anotava quando tinha chance.
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Uma série de lesões, entretanto, atrapalharam o rendimento do camisa 11 dos Gunners. Em 2007/8, o holandês foi presença constante no departamento médico do Arsenal, com problemas no joelho e na coxa - no total, passou cerca de cinco meses sem participar das atividades normais. Recuperado, vem conseguindo manter uma boa sequência desde então.
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“Van Persie deu certo, mas é claro que eu errei no passado também. Em uma situação como essa, você faz os cálculos, olha para isso [investimento na jovem revelação] e faz um empreendimento arriscado. E quando isso dá errado, você pode sempre tentar aprender a partir do seu erro”, comentou Wenger, em relação ao oferecimento de aproximadamente 20 milhões de libras pelo então garoto de apenas 21 anos. E o manager tem certeza de que acertou na aposta.
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“Eu acho que um bom treinador é sempre capaz de dizer: ‘Eu estava errado nessa situação’. Um bom técnico (ou jogador) é capaz de dizer: ‘Nós ganhamos hoje, mas eu cometi dois grandes erros’. Esse trabalho ensina humildade, porque você encara a natureza humana e ela pode sempre surpreender e provar que você errou, e você tem que aceitar isso”, finalizou.
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Robin van Persie foi o artilheiro da equipe na última temporada, com 20 gols em 44 partidas oficiais. Em cinco temporadas com o Arsenal, disputou 177 partidas e marcou 63 gols. “Futebol é um esporte coletivo. Quando um jogador começa a atuar, ele está mais preocupado com o seu prazer e sua performance individuais". A avaliação de Arsène Wenger expressa o pontapé inicial para os trabalhos de campo com o grupo profissional do Arsenal. Diante de jovens, muitos dos quais ainda estão em processo biológico evolutivo, há necessidade de um condicionamento da lógica de jogo a partir do que é compreendido como ideal pela comissão técnica chefiada pelo treinador francês. E Wenger tem o tato para traduzir os conceitos e teorias em procedimentos práticos.
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"Você deve passar para os seus jogadores que, se eles tiverem prazer como um time, isso será dez vezes mais forte. Quando todos aceitam que eu consigo chegar ao meu objetivo e eu sinto que o time entendeu o que um time significa, isso é uma parte grande do meu trabalho. Se você concluiu isso, pode dizer que realizou o seu trabalho como um treinador. Todos querem ganhar o jogo, mas o caso é como chegar lá. Você precisa ir por um caminho em que eles sejam capazes de se expressar como um time", acredita o manager dos Gunners.
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Nesta terceira parte da entrevista, levada à comunidade brasileira a partir da parceria entre a Soccer Coaching International e a Universidade do Futebol, Wenger fala sobre as tomadas de decisão efetuadas diariamente em Holloway, onde fica localizada a sede da agremiação britânica, e o que concebe como "bom futebol".


"Você precisa ter uma ligação com o time, e essa ligação é, para mim, a comunicação. A bola comunica um jogador com o próximo e, se a comunicação está muito rápida, você tem uma grande chance de ganhar o jogo", compreende o técnico, responsável pela criação da infraestrutura de academia do Arsenal, o novo centro de treinamento, além de um dos entusiastas do projeto de construção do Emirates Stadium.

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Gallas comemora gol ao lado dos compatriotas franceses Silvestre e Nasri: 'preferência' de Wenger


O novo estádio tem capacidade para 60 mil pessoas bem acomodadas, quase o dobro da ocupação de 38 mil no Highbury Park, bairro do antigo estádio que levava seu nome e que está localizado na zona norte de Londres. O Emirates Stadium foi a primeira arena europeia equipado com tecnologia de Alta Definição (HD), construído sob a expectativa de receber a visita de mais de um milhão de pessoas a cada temporada da Premier League. A tecnologia é fruto de uma parceria entre o clubes inglês com a Sony Professional Services Europe e a Venue Solutions, que fornecem um conjunto de produtos e soluções que garantem aos torcedores e visitantes o acesso a entretenimento e informação de forma rápida e fácil.
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Depois da primeira fase de desenvolvimento da tecnologia HD no Emirates, o Arsenal e a Sony equiparam ainda outras áreas, como salas de imprensa, de conferências, museu, megastore e os próprios escritórios do clube. Diante de toda essa maquinaria estrutural, as cobranças existem. E são muitas. Em todas as esferas, passando pelo staff londrino, até os resultados de campo diretamente ligados ao desempenho dos atletas. Wenger, então, entra em ação. “O técnico tem o peso de tomar grandes e pequenas decisões. Mas você é somente um ser humano e você tem que aceitar que comete erros. Eu também cometi erros quando estava realmente convencido das minhas decisões. Mas eu não lamento sobre o jogador em quem eu acreditei e ele não correspondeu, porque eu acreditei nele e lhe dei uma chance. Eu fico mais preocupado sobre os jogadores que desejavam uma chance e eu não lhes dei, e eu sou obrigado a dizer que nós somos muito bem sucedidos nas nossas escolhas", compara.
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Em geral, muito se cobra da equipe uma intensidade de jogo alta em termos físicos, técnicos, táticos e emocionais. Em meio a essas valências, a cobrança tática muitas vezes é a mais exigida por treinadores, pelo fato de decidir resultados em flancos do campo, balanços ofensivos mal realizados ou basculações incorretas. E não é raro os comandantes buscarem nos jogadores respostas no jogo, mediante os treinamentos realizados no cotidiano.
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Para tomar as decisões de modo mais eficaz, os estímulos (informações dadas aos atletas, intensidade tática ou aquisição de conceitos vividos em outros períodos do processo de aquisição desses elementos) durante o processo, deverão ser intensos em todos os aspectos de adaptação. Isso está implícito no dia a dia de treinamento, uma vez que a abordagem feita por quem gere o grupo está amparada pela questão da imprevisibilidade de ações. Assim Wenger acredita que ocorre no Arsenal, em que seus jogadores formados são mais inteligentes e formuladores de hipóteses que irão solucionar as adversidades do embate real.


Wenger valoriza relação intimista com o grupo; lamentação é quando não consegue conferir oportunidades a todos

"A porcentagem de sucesso que nós temos, agora, na nossa equipe, é inacreditável. Isso significa que a maneira com a qual nós avaliamos os jogadores é a maneira correta a seguir. A forma como nós trabalhamos com jogadores é certa, mas, é claro, nós também temos poucos que não fazem corretamente, e talvez eu perca poucos porque eu não lhes dei a chance correta. Isso é o que preocupa para um treinador", revela o amante do bom futebol.
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“O que é bom no futebol? Todas as maneiras que você joga são boas. Você pode jogar com bolas longas e pode jogar com bolas curtas. Ambas as formas podem ser muito eficientes. A coisa mais importante é transmitir isso bem dentro do seu treino e jogar com os jogadores corretos", garante Wenger, que possui um primeiro time bem vasto nos aspectos de nacionalidade e características físicas.
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Dos 29 componentes do elenco principal, apenas três fazem jus à bandeira inglesa. Há sete representantes da França, mesmo país de origem de Wenger, além de três espanhois, dois brasileiros, dois poloneses, dois marfinenses e dois brasileiros; atletas da Dinamarca, Itália, Suíça, República Tcheca, México, País de Gales, Rússia e Camarões, um de cada, completam a "torre de babel" dos Gunners.
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"Se você tem os jogadores que podem jogar as bolas longas, você pode fazer dessa forma. Eu não concordo com isso, porque a maioria dos jogadores no nosso clube quer mostrar o seu talento", indica Wenger. Andrey Arshavin foi um das contratações do Arsenal para a temporada que fugiram do conceito padrão utilizado pela comissão técnica londrina. Rodado, aos 28 anos de idade, chamou a atenção pelo seu desempenho na última edição da Eurocopa, atuando com a camisa da seleção russa. Vinculado ao Zenit, de São Petersburgo, por quem faturou a Copa da Uefa de 2007, caiu nas graças de Arsène Wenger.
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Versatilidade, experiência e um acréscimo de qualidade ao grupo profissional dos Gunners foram alguns dos atributos indicados pelo treinador francês ao atacante que custou aos cofres do clube 14 milhões de libras - algo em torno de R$ 46 milhões. Atacante, porém, até desembarcar em Shenley, o centro de treinamentos do Arsenal. "A primeira influência que ele teve sobre mim foi mudar minha posição, já que estou virtualmente atuando como meia esquerda. Não jogava nessa posição havia anos. Já joguei no lado direito, no lado esquerdo no ataque, mas não como meio-campo que ajuda a defesa", disse Arshavin, em entrevista à revista FourFourTwo, sobre as ações práticas de Wenger em relação ao seu funcionamento em campo.


"O Arsenal contrata os jogadores sempre através de Arsene Wenger. Ele não olha apenas o jogador, ele olha dentro do jogador. Ele vê as qualidades de cada um e qual a melhor forma de utilizá-las", completou o russo, em tons elogiosos ao personagem deste especial, possibilitado a partir de uma parceria entre a Soccer Coaching International e a Universidade do Futebol. Nesta quarta parte, o conteúdo irá expor alguns aspectos específicos sobre a metodologia de trabalho do manager, que desde 1996 está à frente do projeto de umas das  mais tradicionais forças da Inglaterra. Além disso, qual a visão de Wenger em relação ao tempo praxe de adaptação de um novo contratado à equipe - caso de Arshavin, por exemplo -, bem como aspectos de transição defesa-ataque e do que lhe chama a atenção no futebol brasileiro.


“Demora seis meses para os jogadores se acostumarem com a maneira que queremos jogar. Nós damos a eles esse espaço de tempo, porque nós temos estabilidade no lado técnico e, em segundo lugar, nós temos estabilidade no aspecto de jogadores. Apesar de um atleta ir embora depois de dois ou três anos, nós temos jogadores atuando pelo nosso time por oito anos. Então, a estabilidade está aí, nós não vendemos os nossos jogadores e nós temos tempo para integrar os novos jogadores. Nós não os julgamos antecipadamente”, sinaliza Wenger.
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Esse processo de compreensão da lógica da Premier League, especialmente, passa por variáveis, umas dominantes em relação às outras. Como referência, um atleta holandês que passou cerca de quatro anos no Arsenal e, em sua equipe de origem, o Ajax, atuava como uma espécie de ponteiro. Requereu adaptação.
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Wenger conversa com grupo: participação nas contratações confere relação intimista entre treinador e atleta

“Para algumas pessoas isso é físico, porque a intensidade do jogo na Inglaterra é alta. Algumas vezes isso é tático, por conta das mudanças na formação, porque nós jogamos em zona. Alguns estão acostumados a jogar em zona, mas isso nunca foi explicado corretamente. Às vezes, nós jogamos com uma organização tática diferente. Por exemplo, quando o Overmars veio para o Arsenal, ele estava acostumado ao 'winger system', e nós jogávamos no 4-4-2. Então, ele teve que se adaptar a uma nova formação", avalia Wenger, ratificando o período genérico de uma semestre para se trabalhar no jogador o que está sendo realizado de modo incorreto.
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Os princípios estruturais de transição se referem àqueles que norteiam estruturalmente a equipe quando ela transiciona da fase de ataque para a fase de defesa, ou da fase de defesa para a fase de ataque. Quando se refere à transição defesa-ataque, são os princípios estruturais de transição ofensiva. Na contramão, os princípios estruturais de transição defensiva.
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Como indica o professor Rodrigo Leitão, assim como os princípios estruturais de ataque e os de defesa, os princípios estruturais de transição se relacionam e interagem com as plataformas táticas das equipes, mas independem, quais sejam elas, para existir. O relevante é que se tenham efetivamente referências norteadoras da ocupação do espaço e que haja complemento, com os atletas podendo propiciar um jogo mais consistente, inteligente, mais elaborado, amparado pelos treinadores e seus assistentes técnicos. “A transição no futebol é vital, mas ela está sempre ligada às qualidades técnicas dos jogadores, com a visão e com as qualidades físicas deles. Especialmente as qualidades físicas têm se tornado mais importantes atualmente. Eles melhoraram, então a transição se torna menor, sobretudo quando o seu oponente deixa você jogar o jogo. Além disso, quando você está em um clube grande como o Arsenal, os times não saem realmente contra a gente. Dessa forma, eles tentam cancelar essa transição porque não saem das suas posições", explica Wenger. Nesse caso, expõe o técnico dos Gunners, o período de transição só é importante quando o time sai e tenta jogar contra você. E, quando se é uma agremiação grande e de peso, primeiro há necessidade de se colocar o oponente em uma determinada posição na qual ele deve estar quando você roubar a bola. Por exemplo, saindo na frente do marcador e ganhando a possibilidade de contra-atacar.

"Mas em um jogo de Liga dos Campeões da Europa, a transição é muito, muito importante. Os dois times geralmente jogam, os dois times estão acostumados a sair para o jogo, então isso se torna muito importante. Mas para ter a vantagem, você precisar ser fisicamente muito forte", crê Wenger. "Esse é um período muito interessante e importante, mas ainda assim você vê que a maioria dos times negligencia isso um pouco – e eu, pessoalmente, lamento. Como criar espaço quando eles têm a bola e o outro time está posicionado? Eles se recusam a assumir suas responsabilidades", cobra.

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Uma das principais revelações inglesas, Walcott também tem importante função na plataforma tática do Arsenal


O fato de participar com afinco e atenção na escolha dos jogadores contratados torna de Wenger um ser querido pela comunidade. Mesmo se eventualmente um atleta não é relacionado para uma partida decisiva, por exemplo, não significa que a importância dele para o todo seja reduzida. Muito pelo contrário. "Quando você joga por um clube como o Arsenal, tem de aceitar que nem sempre estará em campo. O técnico não precisa se explicar. Em clubes assim, você não tem apenas 11 jogadores de qualidade, você tem 20 ou mais. Tenho certeza de que o técnico se pudesse escalaria todos", minimiza Arshavin.
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“Isso é sempre o mesmo: você precisa amar as pessoas. Um técnico como Louis van Gaal é um pouco diferente. Ele é mais rígido, mas essa é a sua personalidade e essa é a única regra secreta: você só pode ter sucesso se você é quem você é. Van Gaal é quem ele é e ele nunca irá mudar. Ele será bem sucedido porque ele é fiel ao que ele é e não engana”, compara-se em termos de estilo Wenger.
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O novo treinador do Bayern de Munique, por exemplo, assumiu a equipe da Baviera nesta temporada e, de cara, disse que não tinha interesse em contar com o zagueiro Lúcio, capitão e titular absoluto da seleção brasileira. No Arsenal, em contrapartida, diante das figuras de Denílson e do carioca naturalizado croata Eduardo da Silva, Wenger revela todo seu encantamento pelos talentos sul-americanos. “Você sabe do que eu gosto no Brasil? Eles dizem: nós respeitamos você pelo seu sucesso, mas nós te amamos pelo seu estilo. Eu acho que essa é a imagem completa. Mas, primeiro, você tem que ser respeitado pelo seu sucesso e daí, no topo dele, você pode ser amado pelo seu estilo. Eles tiveram por um longo período, uma história de resultados e sucesso, então no começo eles estavam felizes apenas com a vitória, mas depois disso, a demanda sempre fica maior", traça Wenger.
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"Pessoas querem ser entretidas – essa é a responsabilidade de um grande clube. Pessoas vão para o estádio com uma expectativa. Você não pode cobrar 100 euros por jogo e dizer para alguém: 'desculpe, nós não temos nada a mais para mostrar, nossa única ambição é vencer com um escanteio aos 42 minutos do segundo tempo e você teria que estar feliz em gastar 100 euros nisso'. Isso não acontece dessa maneira", finaliza, deixando claras as características e perspectivas do Arsenal.
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Por mero complemento, vale mais uma exposição de Arshavin, já incorporado à realidade dos londrinos: "Se você analisar o Arsenal, verá que o time não foi montado para vencer os jogos por 1 a 0. O time do Arsenal tem muitos jogadores que adoram atacar, criar e jogar futebol bonito. Por isso temos um público de 60.000 pessoas no Emirates Stadium - elas foram lá ver um jogo bonito, inesquecível". No início dos anos 1990, o Arsenal tinha seu jogo apelidado de "boring football". A direção resolveu apostar em um então desconhecido de seu público torcedor. Com Arsène Wenger, sustentado pelos títulos da Copa do Imperador e da Supercopa japonesa com o Nagoya Grampus Eight, a surpresa. E a "chama" que faltava aos Gunners.


Nenhum comandante dirigiu por tantas vezes, tendo apreciado o sucesso que alcançou no clube, como o francês. Três títulos da Liga Inglesa, quatro FA Cups e quatro Supercopas da Inglaterra ( a Charity Community) foram acumulados nesses 11 anos à frente do staff londrino, incluindo "The Double", termo utilizado para designar quem conquista as duas principais competições da Inglaterra em uma mesma temporada, em 1998 e 2002.


Apesar de que os primeiros passos não foram dessa forma. “Logo que eu comecei no Arsenal, eu fui bastante interrogado. Eu era questionado sobre tudo o que eu fazia, mas você tem que aceitar isso como um treinador. Não transforme radicalmente o que você quer fazer, mas você tem que fazer isso passo a passo", rememora Wenger.

"O carisma e o poder do treinador vêm aos poucos, porque você precisa convencer os jogadores a fazerem as coisas dessa maneira. É uma mistura de adaptação, de ser fiel às suas ideias, e você precisa ter um pouco de sorte, também. Porque se você perde todo jogo, todo mundo dirá: 'Nós gostamos muito das suas ideias, você trabalha muito bem, mas muito obrigado e adeus'", acrescenta. De fato, apesar da mentalidade diferenciada e da pretensão de fazer o time desempenhar um futebol que modificasse a imagem "chata" consolidada, Wenger, o primeiro manager fora do Reino Unido a atuar em Highbury, não emplacou um trofeu logo na temporada de debut. Mas não demorou nem um ano mais. Em setembro de 2006, quando assumiu, o Arsenal terminou em quarto colocado na primeira divisão do campeonato nacional. Já na sequência, mesmo após ficar 12 pontos atrás do Manchester United, um segundo semestre impecável coroou o desempenho de Wenger e seus comandados - e isso com duas rodadas de antecedência ao término da competição.

Cerca de 15 dias depois, ainda arremataria a FA Cup, segundo mais tradicional torneio da "Terra da Rainha", no primeiro dos dois "The Double" ao longo de sua trajetória. “Quando eu converso com outros treinadores, eu digo que eu fui sortudo, porque eu tive 17 anos em dois clubes na minha carreira, e se eu não tivesse vindo para o Arsenal, eu provavelmente ainda estaria trabalhando no Japão, porque eles gostariam de me dar um longo contrato. Eu fui sortudo porque eu fui para clubes que me deram a chance de desenvolver as minhas ideias. Eu tenho consciência disso e tenho consciência de que muitas pessoas estão tentando ter influência e não receberam a chance para fazer isso”, agradece Wenger, nesta parte final da entrevista concebida a partir da parceria entre a Soccer Coaching International e a Universidade do Futebol.
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Após sucesso no AS Monaco e uma experiência japonesa, Wenger se apresenta "de braços abertos" ao Arsenal

Fora de campo - e de maneira abrupta, também -, apareceram talvez os principais pontos de influência do manager em relação ao grupo profissional de atletas. A forma de gerência revolucionou a vida dos integrantes e dos novos contratados, com a implementação de um sistema alimentar a partir da conscientização individual e no corte de alguns treinamentos mais agudos efetuados pela preparação física.
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A meticulosidade do francês se refletia na construção do elenco, obviamente, quando fez questão de contar com os franceses Patrick Vieira e Emmanuel Petit, além do holandês Marc Overmars, ex-Ajax, em uma equipe que já ostentava nomes, como David Seaman, Tony Adams e Dennis Bergkamp.
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No período de transição de grupo aparecia também um substituto do veterano Ian Wright, autor de 179 gols com a camisa dos Gunners: tratava-se de Thierry Henry, que se vinculou ao Arsenal em agosto de 1999. Após oito jogos sem marcar e tendo sido questionado pela imprensa local, especialmente, a ex-estrela da Juventus terminou a temporada com impressionantes 26 gols. Um ano que só não foi mais brilhante ao jogador e ao treinador, consequentemente, pela frustração de ter ficado com o vice-campeonato da Copa da Uefa e da Taça de Inglaterra.
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“Eu não sou um treinador para o curto prazo, mas um técnico para o longo prazo. Eu sempre acho que um treinador tem responsabilidade em três níveis diferentes. O primeiro nível é a maneira que você pensa em futebol e os resultados. O segundo nível é a influência na carreira de todos os jogadores individualmente. Existem técnicos que não podem ganhar troféus, porque eles trabalham em clubes pequenos ou medianos, mas eles ainda evoluem jogadores. Eles merecem muito respeito porque eles têm um bom impacto sobre a carreira individual do jogador. E, então, você tem o terceiro nível, ao qual, em minha opinião, muitos treinadores não participam o bastante: é a influência que você tem sobre a estrutura do clube", elenca Wenger, que questiona:
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"Quão grande você quer fazer o clube? Que tipo de influência você tem para fazer evoluir o nível das categorias de base? Quanta influência você tem no estádio, no campo de treino, nas facilidades, na qualidade das facilidades de treino? Porque isso não é tudo sobre mim, os meus resultados e o meu ego, isso é sobre o que você deixa para trás quando você se vai. Que tipo de poder a pessoa que vem depois de você tem? Eu concordo que a maioria não tem a chance para fazer isso, mas isso precisa ser sua ambição", completa.


Centrado e estudioso, o treinador francês modificou toda a mentalidade do clube, que voltou a vencer
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Ambicioso, sim, Wenger alcançaria uma guinada em seu currículo e na moldagem da história do Arsenal. Em 2001/02, com a conquista da Premier League, em vantagem de 12 pontos sobre o Liverpool, além de emplacar um 2 a 0 sobre o Chelsea, na final da FA. Na temporada seguinte, mais uma vez levantou a taça da Copa da Inglaterra, entretanto, o bi do Nacional ficou para trás. A decepção ficou compensada com a campanha irretocável de 36 vitórias e 13 empates em 2003/04: era o Arsenal verdadeiramente "Invincible".

Wenger é o único comandante dos Gunners a a faturar a FA por mais de uma vez, além de ser também particular na condução da equipe à final da Liga dos Campeões da Europa, principal torneio de clubes do continente. Isso sem contar o fato de ser o primeiro treinador da história da liga inglesa a completar as 38 rodadas de uma temporada sem ser batido por qualquer rival - citação do biênio acima. Reconhecido como um cerebral e estudioso treinador, com rara habilidade para detectar e desenvolver jovens atletas das mais diversas partes do mundo, o francês teve um fator vital em todas as áreas que afetam a equipe principal. Mas ainda almeja voos internacionais maiores para a agremiação. Para concretizar tais objetivos, confia em seus assistentes técnicos e nos profissionais que o rodeiam.
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“Eu tento achar uma comissão técnica que saiba como eu quero trabalhar. Eu os ajudo bastante, delego muito, mas se eles não fazem o que lhes foi pedido, eu não os mantenho. Eu sempre tento ter uma pessoa local que conheça o clube e esteja há muito tempo nele. Por exemplo, um jogador ou capitão anterior do clube", justifica Wenger, que tem em William Gallas, seu camisa 10, apesar de defensor, o homem que carrega a tarja. "Quando eu estou procurando alguém para adicionar à comissão técnica, eu sempre vejo se as pessoas são inteligentes, apaixonadas e querem evoluir. Nós todos precisamos de alguém que nos dê uma chance. Exatamente como aconteceu quando eu era jovem e precisei de alguém que deu uma chance. O Arsenal me deu essa chance e eu nunca vou esquecer isso”, agradece.
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Com uma licenciatura em economia na Universidade de Estrasburgo, Wenger, que é formado em Engenharia Elétrica, foi premiado também com um DSc honorário na Universidade de Hertfordshire. Em 2002, recebeu ainda a maior honraria civil da França, a Legion d’Honneur, e foi presenteado com a OBE um ano depois. Foi agraciado ainda com a Freedom of Islington,
outra condecoração, em 2004, sendo fluente em quatro idiomas diferentes - francês, alemão, espanhol e inglês, com comunicação básica em italiano e japonês. Uma referência aos aspirantes a ingressar na área.


Ao lado de seu staff, Wenger comemora gol: ainda falta um título europeu para consagrar a carreira como treinador

“Um conselho para jovens treinadores? Sempre tentem ter uma linha de contato e sejam fieis a ela. Não desistam, mas, como um treinador, você tem que estar abertos a novas ideias, porque o futebol está em constante evolução. Vocês têm que ser mentalmente muito fortes. Estejam prontos para a luta da vida, porque é um emprego muito duro. É um emprego obsessivo e vocês têm que estar preparados para sofrer. Vocês têm que estar conscientes que os seus companheiros sofrem muito também. Eu sempre digo que esse é um emprego para uma pessoa sozinha, porque a sua família também sofre. Isso é uma coisa que você realmente tem que levar em conta quando você vai seguir a carreira", aponta Wenger.
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"Na maioria das vezes, há alguma coisa que você não leva em consideração quando está apaixonado. Você tem que ser capaz de competir com desapontamentos. Porque você vê muitas pessoas com ideias muito boas quando começam suas carreiras, mas quando são postas sob pressão e expostas a desapontamentos, elas não suportam. Vocês têm que andar como soldados e, além disso, precisam de forças excepcionais; ou vocês sabem que não terão chance de ser bem sucedidos e, se vocês falharem, que seja com suas próprias filosofias”, finaliza o técnico do Arsenal.


Há dois anos, assinou a extensão de seu contrato por mais três temporadas em Londres. E, pelo menos até junho de 2011, os aficionados dos Gunners podem ficar tranquilos, pois poderão contar com o suporte do francês.

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Grande Abraço
Luis Esteves

Um comentário:

Unknown disse...

Realmente um modelo a seguir, no Brasil os clubes estão anos-luz atrás... porque "não tem dinheiro" ou "lá é diferente", se houver planejamento, organização e mentes abertas, é possível sim!

Abraço,
Alberto Tenan - Treinamento Futebol